terça-feira, 5 de novembro de 2013

Fábula: A Haste da Cruz



Conta‑nos uma lenda que um homem a quem cumpria fazer grande jornada, deram a carregar pesada cruz, dizendo‑lhe que ela o levaria à salvação.

Tendo feito pequena parte do trajeto, vencido e desanimado pelo cansaço, deliberou ele cortar um pedaço da longa haste de sua carga.

Mais aligeirado pôs‑se de novo, a caminho, e jornadeou até o ponto em que a estrada subia por uma encosta longa e pedregosa. Ali sentiu que se lhe agradava o peso da cruz. Doíam‑lhe os ombros, tinha as pernas trôpegas, arfava e transudava.

Na irreflexão da impaciência, põe por terra o seu fardo e outra vez o mutila em sua haste.

Parte. Alcança o sopé do outeiro e se vê às margens de um rio sem ponte.

Só então observou que outros viajantes ali chegados levavam, também, pesadas cruzes de longas hastes e mais resistentes e tolerantes, conservaram‑se intactas.

Estes as estenderam de margem a margem e fazendo‑as de pontilhões, atingiram o lado oposto e lá se foram.

O que, porém, encurtara a haste de sua cruz viu, desde logo, que ela não lhe poderia prestar o mesmo auxílio. Tentando meter‑se pelo rio a dentro, desapareceu levado pelos redemoinhos da correnteza.

É límpida a lição da fábula. Todos os que vivemos a cortar, com golpes arbitrários, em nossos deveres e obrigações para com Deus, podemos levar, por algum tempo, vida mundanamente fácil mas sempre enganosa. O dia chegará em que seremos vítimas das mutilações feitas na haste da fossa cruz.




Lendas do Céu e da terra
Malba Tahan
Ed. Borgoi
São Paulo ‑ SP

Nenhum comentário: