segunda-feira, 24 de setembro de 2018


É deveras conhecido o fato de que Deus deixou sua “impressão digital” na multidão de seres que nos cerca.



São Tomás de Aquino — “o mais sábio dos santos e o mais santo dos sábios” — alude a este fato várias vezes em sua conhecida Suma Teológica qualificando de “vestígios” que Deus Criador deixou na criação. (1)
O Mons. João Clá, Fundador dos Arautos do Evangelho, aborda este tema aplicando-o especialmente ao amor de Deus por cada um de nós. Utiliza para tal a figura… bem deixemos a palavra com o próprio Monsenhor .

DEUS NOS PROTEGE E ENSINA

Mons. João Scognamiglio Clá Dias, EP

Inegável é a força de expressividade do reino animal para o homem, sobretudo quando oferece à sua análise circunstâncias que lembram situações e pequenos fatos da vida humana. Tais atrativos da fauna, tão habituais nas regiões campestres, despertam particular atenção quando colocam em evidência um dos seus mais ricos e vigorosos predicados: o instinto materno. Manifesta-se este não só no zelo pela alimentação e proteção dos filhotes, como também no cuidado de prepará-los para lhes permitir sobreviver em meio às vicissitudes da existência.
Não há quem, transitando por alguma rua de terra numa localidade rural, não tenha visto a característica cena: uma galinha cruzando o caminho, seguida por um de seus pintainhos. Enquanto o pequenino tenta, com não pouco esforço, acompanhar a mãe — pois a desproporção entre ambos obriga-o a dar vários passos para percorrer a distância que a galinha transpõe com apenas um —, ela parece ignorar os apuros do filhote, em virtude da velocidade de seu deslocamento. Mas, na verdade, está tão atenta à cria que, se perceber qualquer sinal de ameaça, sua reação para defendê-la será imediata e enérgica, mostrando-se disposta a dar a própria vida, se necessário for, para resguardá-la do perigo.
Ora, o instinto materno — muito mais profundo no gênero humano — é um tênue reflexo dos desvelos d’Aquele que, além de Criador, quis estreitar seu relacionamento com o homem, elevando-o à condição de filho, ao fazê-lo partícipe de sua própria vida divina pela graça, como exclama São João: “Olhai que amor teve o Pai para nos chamar filhos de Deus, e nós o somos!” (I Jo 3, 1).
Como verdadeiro Pai, o Altíssimo não cessa de proteger, amparar e atrair a Si todas as criaturas humanas, velando continuamente por elas. E, excedendo de modo infinito os cuidados empregados pela mãe ao predispor os filhos para bem enfrentar a vida, o Divino Didata conduz os homens — por meio de processos tão diversos quanto o são as almas — à realização da vocação específica que sua Sabedoria outorga a cada um. (2).


(1) SÃO TOMÁS DE AQUINO, Suma Teológica, Parte I, artigo “De Deus criador”, Distrib. Loyola, São Paulo, 2001, vol. 1.
(2) MONS. JOÃO SCOGNAMIGLIO CLÁ DIAS, EP, O inédito dos Evangelhos”, Libreria Editrice Vaticana, 2012, p. 61-62. Publicado também na revista “Arautos do Evangelho”, nº 134, fevereiro de 2013, p. 10-17

(Extraído do site dos Arautos do Evangelho)

segunda-feira, 3 de setembro de 2018


Certa vez, no terracinho de uma fazenda em Amparo, onde eu me encontrava, de repente um beija flor parou no ar e começou a sugar o néctar das flores de uma trepadeira. Ele osculou flor por flor ...



Com seu vôo semelhante ao trajeto de uma seta, ostentando um biquinho pontudo, o beija-flor descia e parava. Tão inflexível e retilíneo no voar, ficava trêmulo na hora de sugar. Começava com uma série de pequenos movimentos, esvoaçando em torno da flor e haurindo dela o mel que conseguia. No seu bater de asas, nenhuma das vibrações repetia as outras. Dir-se-ia um instrumento musical tocando músicas sempre novas, uma composição nova que caracterizava o estilo beija-flor. 
Refleti que ele tem lá suas regras que não conheço, e me perguntei quando cessaria essa movimentação. De repente, de modo inopinado, ele largava a flor. Nesse abandonar tão completo, parecia que aquela flor nunca existira para ele, e sem a menor vacilação dirigia-se para outra. Era a própria imagem da decisão: quando é hora de escolher, não hesita; quando é o momento de sugar, empenha-se e suga; quando é a ocasião de partir, abandona e rejeita.
Tão brasileiro nos movimentos, o beija-flor não conhece o sentimento nacional das saudades. Abandona a flor sem saudosismos, mas também sem rancor. Tem-se a impressão de que, quando extraiu o último néctar, ficou liberado e voa como um foguete para outro lugar. Tudo isso é realizado com tanta leveza, tanta delicadeza, tanta distinção, que dir-se-ia uma dança. De fato, é muito mais do que dança, é vôo.
Nessa espécie de “filmagem” em câmara lenta, cada um pode rememorar as impressões que conservou, vendo novamente o esvoaçar de um beija-flor.
Ficamos encantados ao observar que no universo dos animais há dois lindos exemplos de movimentos: um, o do leão que anda; outro, o do beija-flor que voa. Como são diversos! Quantos seres Deus criou para nos entreter!

O beija-flor azul e verde é uma jóia preciosa que Deus criou para o homem poder olhar, nunca segurar, e sentir o encanto da coisa fugidia que passa. Neste vale de lágrimas, representa bem a esperança e nosso desejo do Céu.
A Providência divina criou nesta Terra de exílio vários seres fugazes, ótimos, mas que deixariam de ser ótimos se não fossem fugazes, para assim nos apresentar umas tintas do Céu. Porque a Terra, sendo um lugar de exílio, não pode oferecer essa impressão celeste estavelmente. Deus teve pena de nós, e enviou-nos assim uns vaga-lumes do paraíso celeste, para acenderem e apagarem, e desse modo vislumbrarmos a felicidade celestial. (Dr. Plinio Corrêa de Oliveira, Catolicismo 707)