Bem-aventurada Dina-Bélanger
04 de setembro
Após a Encarnação do Filho de Deus, muitas almas generosas buscaram a sublime forma de união com Jesus Cristo que consiste em procurar viver nEle para que Ele viva em nós (cf. Jo 15, 4). São Paulo, o Apóstolo dos Gentios, que convivera durante três anos com Nosso Senhor, levou essa devoção a um grau tão perfeito que pôde afirmar: “Eu vivo, mas já não sou eu, é Cristo que vive em mim” (Gal 2, 20).
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“Jesus e eu não somos mais dois. Somos um:
somente Jesus. Ele faz uso das minhas faculdades,
dos meus sentidos, dos meus membros”
Dina Bélanger, aos 14 anos de idade
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E no início do século passado, uma alma de escol, Maria
Margarida Dina Adelaide Bélanger — a primeira canadense da cidade de Quebec a
ser proclamada bem-aventurada pela Igreja — procurava descrever sua disposição
interior dizendo: “Jesus e eu não somos mais dois. Somos um: somente Jesus. Ele
faz uso das minhas faculdades, dos meus sentidos, dos meus membros. É Ele quem
pensa, age, reza, olha, fala, anda, escreve, ensina: numa palavra é Ele quem
vive...”.1
Dina almejou intensamente essa união. Conhecer em
profundidade a Beata Dina Bélanger é, pois, descortinar novos aspectos de
Cristo Jesus. Nesse íntimo convívio da criatura com o Criador, Dina desaparece
e Ele refulge em toda a Sua glória. Ela passa a ser como um abajur que difunde
discreta e suavemente a luz de Cristo, ou como um vitral que a tamisa e reveste
de cores belamente adaptadas para a sensibilidade humana. “Meu dever agora, e minha ocupação na eternidade, até o fim dos tempos,
é e será o de irradiar Jesus para todas as almas, por meio da Santíssima
Virgem”.
A tal ponto ela se tornou uma com Cristo, que Ele próprio, a
chamou afetuosamente de “Meu pequeno Eu
mesmo”.
Jesus quer
sua Autobiografia
Dina teria passado despercebida se sua superiora não tivesse
discernido os favores de Deus para com ela.
“Você deve escrever a sua vida, minha querida irmã”, disse-lhe. É por isso
que temos sua Autobiografia, “uma das
mais perfeitas joias da literatura espiritual do século XX”, segundo o
teólogo carmelita, padre François-Marie Léthel.
Para Dina, escrever sobre si própria constituía um
verdadeiro ato de heroísmo: “Falar continuamente de mim mesma, e repetir o
pronome ‘eu’, que preferiria ver abolido para sempre... Oh!”. Mas obedeceu,
a ponto de encher com sua esmerada caligrafia vários cadernos que a superiora
guardava cuidadosamente.
Certa vez, Nosso Senhor lhe confidenciou: “Você fará bem por meio de seus escritos”.
E assim foi. Dina falava com Cristo com familiaridade, e ao anotar Suas
sagradas palavras não o fazia visando apenas o próprio benefício, mas também o
dos sacerdotes, dos religiosos e de toda a humanidade.
A infância
de Dina Bélanger
Os primeiros anos de Dina se desenrolaram na atmosfera
tranquila de uma família franco-canadense de muita fé. Nasceu no distrito de
Saint-Roch, da cidade de Quebec, e foi batizada no próprio dia de seu
nascimento, a 30 de abril de 1897, com o nome de Maria Margarida Dina Adelaide.
Seu único irmão morreu aos três meses de idade. A partir
desse momento, seus pais concentraram
nela todo o seu afeto e cuidados. Sobre esse período de sua vida, Dina
escreveu: “O que teria sido de mim se
tivesse sido deixada à mercê do meu orgulho, minha obstinação, meus caprichos e
minhas traquinagens injustificáveis?”.
Serafina, sua mãe, levava-a sempre à igreja e em suas
visitas aos pobres. Ela gostava muito de cantar para a filha, o que levou a
menina, naturalmente dotada de senso artístico, a ter paixão pela música.
O pai, Otávio, era contabilista. Talvez tenha sido dele que
Dina herdou sua precisão ao expressar-se e a forma metódica de cumprir seus
deveres.
Resoluções
e metas de vida
Ao longo de sua vida, Dina tomou numerosas resoluções e as
cumpriu eximiamente. Quando era estudante, proclamou: “Prefiro a morte a corromper- me”. No postulado, sua meta foi: “Se começar, comece com perfeição”. E na
vida religiosa visava “amar e sofrer”. Como
fizera Teresa de Lisieux, poucos anos antes, ela tomou a firme resolução de ser
“uma santa”. E, para guiar-se nesse
caminho, adaptou o princípio de Santo Agostinho
ama et quod vis fac (ama e faze o que queres), transformando- o no lema que
caracterizou toda a sua espiritualidade: “Amar
e deixar- se conduzir por Jesus e Maria”.
Com efeito, foi pelas mãos da Virgem Santíssima que aos 13
anos consagrou-se a Jesus Cristo como escrava de amor, segundo o método ensinado
por São Luís Maria Grignion de Montfort.
Na oração inicial de sua Autobiografia, ela agradece a Nosso
Senhor tudo quanto Ele lhe concedeu por meio de Sua Mãe Santíssima: “Sem exceção alguma, Vós me concedestes vossas
graças por meio de Maria, Vossa e minha bondosa Mãe, a quem quero tanto! E é
meu desejo constante deixá-La agir livremente em minha vida, para promover
Vossa obra em mim”.
Lutas de
alma e oferecimento como vítima
Quando chegou o tempo dos estudos, Dina entrou para o
Colégio Bellevue, um internato religioso dirigido pelas irmãs de Notre Dame, no
qual sua primeira oração a Jesus foi: “Que
eu nunca Vos ofenda nem com o menor pecado venial voluntário, durante minha
permanência aqui”. Lá começaram as lutas que, devido à sua índole tímida e
reservada, teria de travar durante toda sua vida. “Eu procurava sorrir para todo mundo, mas quanto preferiria estar
sozinha!” Por ocasião de uma visita da mãe, ela lhe confidenciou essa
dificuldade: “Mamãe, não é brincadeira
viver com outras pessoas!”.
Dina conta com toda simplicidade que na primeira sexta-feira
do mês de outubro de 1911, enquanto as
estudantes se dirigiam à capela para fazer uma visita ao Santíssimo Sacramento,
ela consagrou sua virgindade a Nosso Senhor. Foi também por essa época que se
ofereceu como vítima de amor: “Mal ouvira
falar dessa doação de si mesmo, conhecida como o oferecimento heroico, eu já me
ofereci; abandonei-me inteiramenteà vontade de Jesus, como sua vítima”.
Inflamada pelo desejo de entregar a vida, estava certa de que lhe seria dada a
graça do martírio do amor.
Ainda naquela época, antes de tornar-se religiosa, adotou
uma “regra de vida”, com hora certa para as orações matutina e vespertina,
comunhão, rosário, meditação e confissão semanal. E deixou ao Divino Artesão de
sua alma a tarefa de guiá-la em segredo.
Assim que soube do início da 1ª Guerra Mundial, em 1914,
ofereceu-se uma vez mais a Nosso Senhor, de corpo e alma, em espírito de
reparação e de amor: “Fiquei aflita,
sobretudo, pelo perigo moral que ameaçava o mundo”.
Estudos em
Nova York
Depois de ter terminado os estudos no internato, já com 16
anos, voltou a viver em sua casa. Seus
pais decidiram que deveria continuar com o estudo da música, que iniciara em
pequena. Esta arte lhe aproximava de Deus e oferecia-Lhe cada uma de suas notas
ao piano como um ato de amor, constituindo para ela uma verdadeira oração, pois
seu coração pertencia somente a Deus.
Alguns meses mais tarde, pediu ao diretor espiritual para
entrar no convento das Irmãs de Notre Dame, de Villa-Maria, mas foi aconselhada
a adiar sua decisão pela negativa dos pais. Cumpria as obrigações sociais com
dignidade, dava concertos, apesar destes lhe custarem um esforço enorme, e
chegou a ser uma pianista de certo renome. Sempre teve um verdadeiro amor ao
próximo, sendo muito sensível à cortesia e ao bom trato. Mas no fundo
sempre pensava em seu desejo de ser
religiosa. Surgiu- lhe, então, uma boa oportunidade de aperfeiçoar, num
Conservatório de Nova York, seus estudos de piano, harmonia e composição. A
oferta era tentadora: “Gostei do plano,
pois apreciava apaixonadamente a arte e a beleza.E sempre almejei a perfeição.”
Seus pais duvidaram, mas aconselhados pelo pároco que
insistia nisso consentiram, pensando que seria uma boa experiência para sua
formação e, de 1916 a 1918, ela estudou nos Estados Unidos. Sendo do Canadá
francês, teve dificuldades para se comunicar em inglês, mas encontrou conforto
na música, já que o piano tem o mesmo som em qualquer país... Vivia na
residência Nossa Senhora da Paz, dirigida pelas religiosas de Jesus-Maria, e
estudava bastante no Conservatório, sentindo forte atração pela harmonia
musical, matéria que mais gostava. Ao término dessa experiência em Nova York,
seu relacionamento com Nosso Senhor tinha-se aprofundado e sua consciência
permanecia sem mancha alguma: “Tive de
seguir a moda e seus caprichos no que dizia respeito às cores e tecidos, mas
evitei vigorosamente as suas exigências extravagantes e culposas”.
As ruas da cidade de Quebec conservam ainda
hoje, em
boa medida, o aspecto da época em que viveu Dina Bélanger
Caminho de
perfeição e vida religiosa
Quando Dina retornou de Nova York, contava com 21 anos. Nos
quatro anos que transcorreram até sua entrada na vida religiosa, em 1921, os
quais passou na casa de seus pais, rezou muito e passou por tremendas aridezes
de alma.
Continuou um curso de harmonia por correspondência no
Conservatório de Nova York e seguia com os concertos musicais. Gostava muito da
música. Mas a vida contemplativa lhe encantava e esse contraste da vida do
mundo com suas aspirações lhe provavam a alma. Às vezes podia ouvir a voz de
Cristo no fundo do seu coração, mas ficava incerta, com receio de estar sendo
vítima de alguma ilusão; depois, porém, se tranquilizava: “Eu notava que Jesus só me falava ao coração quando tudo estava
absolutamente calmo”. Em uma ocasião, Nosso Senhor mostrou-lhe um caminho
cheio de espinhos pelo qual Ele tinha passado, manifestando o desejo de que ela
O seguisse. Para ajudá-la, deu-lhe Sua Mãe Santíssima.
Quando soube que Santa Margarida Maria havia feito um voto
de perfeição, Dina imediatamente tomou a resolução de fazer em todas as
ocasiões o que era o mais perfeito, embora não tivesse autorização para se
obrigar por um voto formal. “Parecia-me
que fazer algo menos perfeito seria sinal de um amor tíbio”, escreveu ela.
Diante da dúvida sobre qual comunidade religiosa deveria
escolher, o próprio Jesus lhe comunicou: “Quero
que você entre na Congregação das Religiosas de Jesus e Maria”. Tinha sido
fundada na França, em 1818, por Santa Claudine Thévenet, dedicada à educação
das jovens. Ali foi recebida como noviça em 15 de fevereiro de 1922, adotando o
nome de Maria Santa Cecília de Roma. Em 15 de agosto de 1923 fez a profissão
religiosa, recebendo a incumbência de ensinar a arte musical para as alunas da
Congregação.
“Minha ocupação na eternidade, até o fim dos
tempos, é e será o de irradiar Jesus para todas as almas,
por meio da
Santíssima Virgem”
Grandes
experiências místicas
Antes de entrar na plena alegria da união com Cristo, nos
albores da sua vocação, ela tinha sentido o tormento da “noite escura da alma”.
Entretanto, nesse período de provações fortaleceu-se sua vocação e recebeu
diversas graças, entre as quais a de um rompimento tão profundo com seu
passado, que ela se sentia como se tivesse morrido e nascido novamente.
Nos primeiros tempos de sua vida de religiosa, Dina recebeu
por duas vezes uma singular graça de amor: numa experiência mística, ela “viu”
Jesus levar seu coração e deixar o dEle em seu lugar. Depois, já professa, ela
“viu” mais uma vez Jesus mostrar-lhe seu coração, que Ele havia levado para Si,
queimá-lo todo no altar de Seu amor, bem como ela mesma, e soprar sobre as
cinzas, fazendo- as desaparecer, e ficando Ele próprio em seu lugar.
Jesus avisou-lhe ainda que ela morreria em 15 de agosto de
1924, exatamente um ano depois de sua profissão. Quando chegou esse dia, ela
não morreu fisicamente, mas Ele deu- lhe a entender que misticamente havia
morrido para este mundo e sua união eterna com Ele tinha começado.
Em 3 de outubro desse mesmo ano, foi-lhe permitido fazer o
tão almejado voto de perfeição. Numa linda formulação, prometeu a Jesus fazer,
em qualquer circunstância, tudo do modo mais perfeito, nos pensamentos,
desejos, palavras e ações. Ela se entregou a Deus com confiança e com plena
consciência de sua própria fragilidade.
É Cristo
que vive e fala em Dina
Depois dessa data, tendo Dina “desaparecido”, é somente a
voz de Cristo que domina sua autobiografia. Ele lhe fala com uma ternura
tocante e nela encontra a maior receptividade possível. Certo dia, na festa do
Nome de Jesus — que ela considerava a sua festa, uma vez que tinha sido
substituída por Cristo — escrevia: “Desde
o meio-dia, o meu doce Mestre me tem atraído a Si com uma ternura inefável... Depois
do meu exame de consciência, notei que estava gozando da presença sensível de
Jesus. E Ele me disse delicadamente: ‘Em honra da minha festa!’ Oh! Quanto eu
gostaria poder pôr em palavras a doçura de Jesus!”.
Muitas vezes, antes de entregar-lhe Seu cálice ou Sua cruz,
para que ela sofresse com Ele, pedia o
consentimento dela com Sua costumeira gentileza: “Aceita?”. De um modo que a
deixava sem palavras de tanto amor: “O
sofrimento de meu Coração é o martírio do amor; e é isto, minha pequena esposa,
que estou lhe dando”.
Jesus falava-lhe da necessidade de que seus sacerdotes
tenham uma perfeita vida interior: “Meus
sacerdotes... Oh! Quanto os quero! Eu os chamo a serem outros Cristos, a serem réplicas minhas. [...] Ofereça a meu Pai, por
meus sacerdotes, o espírito de oração do Meu Coração, o Meu espírito de oração,
a perfeita união do meu Coração com Ele. Isto é o que falta à maioria dos meus
sacerdotes: espírito de oração e uma intensa vida interior. [...] Demasiados
religiosos e almas sacerdotais não compreendem que os sacrifícios que lhes peço
são chamas de amor que vão se desprendendo de meu Divino Coração para os
arrastar e santificar seu humano coração”.
Pela pena de Dina, Jesus se manifestavaà humanidade,
esquecida de seu amor: “Meu Coração está
tão transbordante de amor pelas almas que já não consegue mais segurar as
torrentes de graças que Eu gostaria de derramar sobre elas: mas a maioria das
almas não quer ter nada a ver com o meu amor...”.
“As almas ficam
tristes na medida em que se distanciam de Deus. O grande desejo do meu Pai, e o
meu, é de ver todas as almas felizes, ainda nesta terra”.
Um cântico
de amor
Dina faleceu no dia 4 de setembro de 1929, apenas sete meses
antes de completar a “idade perfeita”, em que Cristo entregou Sua vida por nós
na Cruz: 33 anos. Nos sofrimentos da enfermidade que a levou à morte — a
tuberculose —, Jesus aceitou seu oferecimento como vítima, colhendo- a em tão
jovem idade.
Em seus últimos escritos, de julho de 1929, num “cântico de
amor”, Nosso Senhor abraça, por meio dela, a humanidade inteira:
“Nenhuma invocação
responde melhor do que esta ao imenso desejo de meu Coração Eucarístico de
reinar nas almas: ‘Coração Eucarístico de Jesus, venha o Vosso reino, pelo
Imaculado Coração de Maria’. E ao meu infinito desejo de comunicar minhas
graças às almas, nenhuma invocação responde melhor do que esta: ‘Coração
Eucarístico de Jesus, abrasado de amor por nós, abrasai nossos corações de amor
a Vós’”.
Elizabeth Veronica Mc Donald
Revista Arautos do Evangelho, setembro de 2009
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