Certa vez, no
terracinho de uma fazenda em Amparo, onde eu me encontrava, de repente um beija
flor parou no ar e começou a sugar o néctar das flores de uma trepadeira. Ele
osculou flor por flor ...
Com seu vôo semelhante ao trajeto de
uma seta, ostentando um biquinho pontudo, o beija-flor descia e parava. Tão
inflexível e retilíneo no voar, ficava trêmulo na hora de sugar. Começava com
uma série de pequenos movimentos, esvoaçando em torno da flor e haurindo dela o
mel que conseguia. No seu bater de asas, nenhuma das vibrações repetia as
outras. Dir-se-ia um instrumento musical tocando músicas sempre novas, uma
composição nova que caracterizava o estilo beija-flor.
Refleti que ele tem lá suas regras que não conheço,
e me perguntei quando cessaria essa movimentação. De repente, de modo
inopinado, ele largava a flor. Nesse abandonar tão completo, parecia que aquela
flor nunca existira para ele, e sem a menor vacilação dirigia-se para outra.
Era a própria imagem da decisão: quando é hora de escolher, não
hesita; quando é o momento de sugar, empenha-se e suga; quando é a ocasião de partir,
abandona e rejeita.
Tão brasileiro nos movimentos, o beija-flor não
conhece o sentimento nacional das saudades. Abandona a flor sem
saudosismos, mas também sem rancor. Tem-se a impressão de que, quando extraiu o
último néctar, ficou liberado e voa como um foguete para outro lugar. Tudo isso
é realizado com tanta leveza, tanta delicadeza, tanta distinção,
que dir-se-ia uma dança. De fato, é muito mais do que dança, é vôo.
Nessa espécie de “filmagem” em câmara lenta, cada
um pode rememorar as impressões que conservou, vendo novamente o esvoaçar de um
beija-flor.
Ficamos encantados ao
observar que no universo dos animais há dois lindos exemplos de
movimentos: um, o do leão que anda; outro, o do beija-flor que
voa. Como são diversos! Quantos seres Deus criou para nos entreter!
A Providência divina criou nesta Terra de exílio
vários seres fugazes, ótimos, mas que deixariam de ser ótimos se não
fossem fugazes, para assim nos apresentar umas tintas do
Céu. Porque a Terra, sendo um lugar de exílio, não pode oferecer essa
impressão celeste estavelmente. Deus teve pena de nós, e enviou-nos assim
uns vaga-lumes do paraíso celeste, para acenderem e apagarem, e desse
modo vislumbrarmos a felicidade celestial. (Dr. Plinio Corrêa de Oliveira,
Catolicismo 707)
Nenhum comentário:
Postar um comentário